Olá! Esse é o boletim #26 da revista USINA!
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Nessa edição: o ensaio de Guilherme Maralhas sobre identidade a partir de Darcy Ribeiro, o documentário “Eu carrego um sertão dentro de mim” de Geraldo Sarno, a música “Um movimento vivo” de Willy Corrêa de Oliveira e um poema de Priscila Alba.
Ensaio
Notas sobre a ninguendade - Guilherme Maralhas
“Nos próximos parágrafos, vamos propor e analisar uma possível leitura de O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, publicado em 1995 por Darcy Ribeiro. Isto é, vamos interpretar um intérprete do Brasil. Isto quer dizer que nosso objetivo não será explicar a interpretação de Darcy Ribeiro, restituindo-a às eventuais tensões e intenções de seu autor. Vamos interpretar uma interpretação: estamos interessados em tudo que o pensador não diz, em tudo quanto diz.”
“Ler Darcy Ribeiro como um intérprete do Brasil significa reconhecê-lo como integrante de uma tradição dedicada a um dos desdobramentos possíveis daquela primeira questão que antecede todas as outras. Além disso, significa que vamos nos concentrar em só um dos muitos aspectos de sua trajetória biográfica e bibliográfica. No entanto, partimos da premissa de que esse aspecto de seu pensamento é marcante em toda e cada uma de suas realizações. Darcy Ribeiro – como político, antropólogo, romancista, ensaísta, professor ou em qualquer outra de suas muitas atividades – foi sempre e sobretudo um intérprete do Brasil.
E a relação é inequívoca: pensar o Brasil, em qualquer dimensão, passa por – e é – uma questão de identidade. Em verdade, poderíamos mesmo dizer: pensar é questão da identidade. A insolubilidade daquela primeira questão vem à flor da pele, também, na busca pelas especificidades de uma possível e eventual identidade nacional; sobretudo para uma tradição de pensamento histórico e social brasileiro, da qual Darcy Ribeiro participa.”
Cinema
Eu carrego um sertão dentro de mim - Geraldo Sarno
Eu carrego um Sertão dentro de mim (1980) é um curta-metragem realizado por Geraldo Sarno e produzido por Thomas Farkas, idealizador da Caravana Farkas, que na década de 1960 viajou pelo Nordeste e teve papel fundamental em estabelecer uma nova linguagem ao documentário brasileiro.
O filme foi inspirado em uma entrevista de João Guimarães Rosa, onde a biografia do escritor se confunde com um universo povoado por cantores, jagunços, coronéis e artesãos. Em vez de explicar as imagens do sertão nordestino, a voz do narrador, como a obra de Guimarães Rosa, indica veredas que atravessam e transcendem a geografia local.
Música
Um movimento vivo - Willy Correa de Oliveira
Willy Corrêa de Oliveira é um compositor brasileiro nascido em 1936. Emergiu como figura central da vanguarda musical brasileira na década de 1960, quando tornou-se cofundador do grupo Música Nova, ao lado de nomes como Gilberto Mendes e Rogério Duprat. O grupo foi responsável por uma ruptura com o nacionalismo modernista predominante, introduzindo discussões e técnicas de vanguarda – como a música concreta, o serialismo etc – na música de concerto brasileira. Professor da USP, formou gerações de compositores que mantiveram o espírito da inventividade e da criação acesos. Há uma grande intersecção entre a música de Willy e a poesia, principalmente as experimentações de Décio Pignatari (1927-2012), um dos arquitetos do movimento concretista brasileiro. Aliás, havia uma relação intensa generalizada entre os poetas do concretismo e os compositores do Música Nova.
Nesse contexto, o Madrigal Ars Viva foi fundado em 1961 por Willy e outros compositores. O grupo destacou-se ao introduzir técnicas revolucionárias como aleatoriedade e microtonalidade no repertório coral, tornando-se pioneiro na difusão da vanguarda musical brasileira e latino-americana. Em 1971, foi lançada sua gravação de “Um movimento” (1962), composta por Willy Corrêa de Oliveira a partir do poema concreto homônimo de Décio Pignatari (1956). A peça exemplifica a fértil intersecção entre poesia e música de vanguarda, explorando as sonoridades e o movimento visual do poema na arte do tempo por excelência.
Poesia
No fundo - Priscila Alba
No fundo,
cada gesto performa uma espécie de palavra,
uma noite quente e estrelada,
o canto dos pássaros,
os carros passando na rua,
pessoas nos karaokês,
as mãos da amada no rosto,
o abraço na noite, o aconchego do colo,
o piscar – ou mesmo a falta – dos olhos…
No fundo,
cada mínimo gesto perfaz uma espécie de palavra
e esses gestos,
em suas misteriosas (mas intuíveis) ligações
formam uma linguagem com que a vida fala conosco,
uma linguagem que se vê,
ausculta,
e novamente,
já traduzida,
é devolvida em gesto.
Gestos sem sujeito ou predicado,
Gestos que os poros do corpo lêem.
Essas palavras silenciosas para qualquer um inexperiente no gesticular da Vida
Têm o poder de dizer o que a palavra, propriamente dita, é incapaz
e portanto,
cala.
Por essa espécie de linguagem subterrânea das coisas
a Vida fala.
Gestos doces e amargos,
Graves e agudos,
Sussurrados ou gritos.
Um piscar de olhos no lugar de um “eu te amo”
O brilho no olhar ao invés de “senti a sua falta”,
O abraço apertado como “quero você”.
Tudo sempre comunica algo.
(…)
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