Olá! Esse é o boletim #25 da revista USINA!
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Nessa edição: uma entrevista com o artista Lucas Lugarinho, o trabalho “isto é sobre a parede” de Maíra Mafra, o álbum “Cantata Santa Maria de Iquique” do grupo chileno Quilapayun, um relato de Antônio Rodrigues e uma pintura e um poema de Yara Ligiéro.
Entrevista
Conversa nº 7 - Lucas Lugarinho
lugarinho vive no méxico faz uns anos e talvez não seja à toa que nosso contato tenha sido virtual, como se fizesse mais sentido tratar dessa maneira algo que aparece com frequência em suas meditações: a encruzilhada entre virtual e real, simulação e verdade. no meio dessa pandemia, esse mundo virtualizado parece cada vez mais suplantar o real na experiência concreta da vida. nossas interações passam a ser mediadas por essas telas luminosas - tão bem transfiguradas nas cores vibrantes de lugarinho. em seus quadros, figuras mitológicas e religiosas se confundem com animes, memes e personagens do universo geek: símbolos saídos da cultura global da internet aparecem em posições insólitas, em cenários que em outros tempos poderiam ser considerados apocalípticos… essa palavra tão em voga.
“Quando comecei a alimentar um argumento para a razão de pintar, sempre chegava à mesma questão: por que as pessoas acreditam em imagens? Saltei de temas religiosos, históricos a temas contemporâneos, mas mantinha uma relação de afeto (ou de rejeição) em relação ao que eu pintava. Hoje em dia tenho isso um pouco mais claro, acredito que as imagens se fazem acreditar através deste afeto que se estabelece entre o espectador e a imagem. Só que existe um problema concreto aí: esse romance está adoecendo o mundo.”
Artes Visuais
isto é sobre a parede - Maíra Mafra
Procurar os habitantes do papel e da parede.

O poema
estendi, à janela, a canga branca de viscose de algodão.
no início, era apenas para que secasse.
depois, foi também uma forma de separar-me o quarto e o íntimo
dos homens da obra.
entretanto agora, momento em que meu corpo repulsa e reprime,
acolhe e encolhe,
desfaz e se une,
e o coração mostra os dentes entre as minhas costelas (e a carne dá risadinhas),
ao mesmo tempo que minhas costas abraçam-lhe,
a calma branca do dia,
o branco tecido da canga
dizem afinal outra coisa.
.
(a paz não é sem ruídos.
e é feita de muitas dores,
músculos tensos,
que em ápice de tensão por fim libertam.)
.
o tecido branco acalma a carne,
é o remédio do corpo vivo,
se é que existe outro tipo de corpo
então pensei:
morar é ter uma quantidade de panos acumulados,
cada um para curar um distúrbio.
.
a trama branca, tão juntinha que quase não se dá a ver,
tem um texto, um rosto,
e me diz sem encostar no meu tecido,
me diz pela memória do meu corpo no branco,
me diz algo que não te posso contar.
Música
Cantata Santa Maria de Iquique - Quilapayun
No dia 21 de dezembro de 1907, o exército do governo chileno ordenou o massacre dos mineiros que faziam greve na cidade de Iquique. Estima-se que morreram mais de 2000 pessoas, entre elas crianças e mulheres. O episódio, além de ter sido intensamente encoberto pelas forças do governo, teve como consequência o aumento da repressão aos movimentos grevistas no Chile durante o período parlamentar.
Em 1970, o grupo instrumental de música folclórica chilena, Quilapayun, gravou um álbum intitulado Cantata Santa Maria de Iquique, que conta a história do massacre de forma musicada.
Literatura
Relato ou história documental nº8 - Antônio Rodrigues
Eu era assim, um falante úmido, como um turco nas ruas de Berlim,
e as raposas me chamavam nas florestas sem árvores,
sem acessórios nem gritarias, eram apenas crianças que
brincavam de ninar.
Seus becos se espalhavam equânimes e secos, nas lembranças dos
mapas antigos, descobertos das areias quentes e dos abismos marítimos
– como um dia quiseram perguntar ao amor sobre o amor,
mas a pergunta estava errada.
A senhora repara no cabelo, nas muitas e sucintas vozes que abdicam do
retrato, o espelho. Deveras, aquilo não era nada perto do temporal
que vinha e sua casa alagava, sim, era verdade. Seus olhos de lágrimas
ao som de um bolero, um tango argentino, tossindo e tossindo.
Veneza tropical, meu flúvio de Vênus – Oxum acalmada,
com o ventre livre, esperando e esperando a vida,
um choro que acontece, barulho, espanto.
Não, a cinza é pura, pura fossa encarnada, digamos
aos poucos, aos muitos. Digamos. Uma tentativa
esparsa de retornar ao princípio, escovar e escovar
os cabelos, a janela ao fundo, a tempestade vindo.
Era assim que ela respondia
sobre seu dia.
Poesia
A casa não cai - Yara Ligiéro
Se carrego a casa nos braços
Se carregamos a casa nos nossos braços
Se carregamos a casa no nosso abraço
A casa não cai
Mesmo atravessando a cidade
Sinais abertos, fechados
Pernas apressadas
Cansadas
Carros, corpos em trânsito
Quero chegar em casa
Ônibus lotado
Passei do ponto
Balança mas não cai
A casa não cai
O que é a USINA?
A USINA existe desde 2013 com o intuito de contribuir para a convergência de discussões contemporâneas e afirmar nas artes e no pensamento um lugar de brincadeira, exercício, experimentação e diversidade.
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