Olá! Esse é o boletim #22 da revista USINA!
Mensalmente enviamos uma seleção de conteúdos da revista USINA, como entrevistas, ensaios, artes visuais, instantâneos e tudo mais.
Nessa edição: o ensaio “Mito, Filosofia e Literatura” de Priscila Alba, o trabalho “DO-SI-DO” de Maíra Mafra, o filme “Congo” de Arthur Omar, a peça “Stripsody” de Cathy Berberian e um conto de Gabriel Gorini.
Nesse final de ano, em que comemoramos mais um aniversário da revista, gostaríamos de contar com a sua colaboração respondendo esta breve pesquisa. Agradecemos pela participação!
E segue aberta a pré-venda da reimpressão de "Vistos de cima, parecemos um pássaro", livro de Carlos Meijueiro que reúne crônicas realistas e amorosas sobre a vida no Rio de Janeiro.
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Pensamento
Mito, Filosofia e Literatura - Priscila Alba
“Com frequência, quando se pensa em mito e em mitologia, nos vem à mente a definição de uma narrativa ficcional ou fantástica, onde o elemento da fantasia imprimiria aos mitos um caráter de relato não-verdadeira, definido sempre por oposição às narrativas histórico-científicas. Assim, quando se estuda, por exemplo, os diálogos Timeu e o Crítias de Platão, obras onde o filósofo forjara a história arcaica de Atenas, referimo-nos a ela como uma história mítica. A história de Atenas, segundo Platão, diz de sua ascendência da mítica cidade de Atlântida. Mítica porque não há quaisquer evidências arqueológicas ou historiográficas (fora Platão) de que a tal cidade tenha, de fato, existido.
Mas não nos interessa, no âmbito deste texto, discutir se Atlântida realmente existiu. Tampouco importa, de modo exclusivo, a relação de Platão com os mitos. Antes, visamos à relação entre mito e literatura, ou mais especificamente, entre mito e poesia. Qual o lugar dos mitos nas sociedades contemporâneas? Há lugar? Supondo que podemos responder às questões de modo afirmativo, que relação haveria entre os mitos e o gênero poético? Como se pode observar, nenhuma destas perguntas oferece resposta fácil e simplista. O modo de resposta exigido pelas grandes perguntas humanas é o da circunave gação, um périplo em torno ao questionado.” (continue lendo)
Artes visuais
DO-SI-DO - Maíra Mafra

Do-si-do designa um passo de quadrilha: duas pessoas circulam-se simultaneamente uma à outra.
Este trabalho surge da ideia de que toda construção é registro de movimentos e chama a atenção para as ações (efêmeras em si) que resultam no ambiente construído, marcado pela simbiose entre humanos e a sua construção – já que nestes atos, a pele das mãos e seu sebo natural, o suor e salpicos de saliva, fios de cabelo, etc. se impregnam naquilo que constroem.
Em uma fabulação acerca de sistemas construtivos de diferentes seres vivos, construo esta edificação, com medidas suficientes para o meu corpo de pé e com braços levantados, mas na qual não se pode entrar. Uma habitação mínima impossível.
A base de betão armado, os varões de ferro nervurados, o arame de ferro recozido, têm sido elementos da construção civil moderna que servem a um desejo de estandardização e funcionalização do habitar humano. O sisal em rama, uma fibra natural bastante utilizada na construção como estruturante das massas (cimento, barro, estuque), aqui é a própria “parede”, e age, à distância, como um confortador do olhar porque parece fofo e macio, enquanto é, ao contrário, um tanto áspero.
A ativação da peça acontece para dar definição às etapas e permitir o olhar-fruidor para o “dentro”, o que vai sendo dificultado ao longo das sessões. A peça é construída por ativações no decorrer da exposição. As fotografias enviadas para publicação são como um storyboard dessas ativações.
Cinema
Congo - Arthur Omar
“Todo documentário, por ser, antes de mais nada, um objeto cultural, tem, como questão fundamental de existência, não a cultura que serve de conteúdo para seu exercício, mas a existência como objeto dentro de uma cultura que lhe dá origem. Aí está a formulação do problema que levou CONGO a ser trabalhado.”
Congo (1972) é o primeiro filme de Arthur Omar (1948), cineasta, fotógrafo e importante artista brasileiro, de Poços de Caldas/MG. Com esse curta-metragem, Omar inaugura sua trajetória em torno da ideia de “um filme em branco”, proposta desenvolvida em seu ensaio O anti-documentário, provisoriamente.
Congo é quase todo construído com letreiros que ocupam o lugar das imagens, descrevendo o que o documentário clássico supostamente deveria narrar, nesse caso, o processo histórico de surgimento das congadas, manifestação cultural e religiosa afro-brasileira. Embaladas por uma trilha sonora instigante, as palavras percorrem o filme construindo um posicionamento crítico diante do olhar colonizador que reduz as práticas populares a simples descrições científicas.
Essa postura ousada se desdobra no ensaio, que esclarece desde o título seu caráter provisório. A partir do filme, Omar questiona em sua escrita a posição do cinema diante da realidade, especialmente do gênero que tem a suposta função de documentar uma expressão cultural, sem perceber que também participa dessa cultura.
Além desse posicionamento crítico e da linguagem disruptiva, Congo representa, acima de tudo, “um conceito para buscar a origem das coisas”, nas palavras do próprio autor em breve depoimento sobre o filme, onde ressalta também esse trabalho como um experimento inicial em busca de uma expressão genuína.
Música
Stripsody - Cathy Berberian
Cathy Berberian é considerada uma das maiores cantoras líricas do século XX. Associada ao espírito inventivo e experimental das vanguardas musicais das décadas de 1950 e 1960, era conhecida por sua precisão e extremo controle vocal – explorando as possibilidades da voz enquanto instrumento, com técnicas expandidas que desafiavam os limites então conhecidos. Versátil, sua presença de palco e suas performances quase teatrais a tornaram uma verdadeira lenda. Alguns dos principais compositores do século XX compuseram peças diretamente para sua voz – como é o caso de John Cage e Igor Stravinsky, por exemplo. Entretanto, foi com o marido Luciano Berio que Berberian firmou parceria mais prolífica.
A cantora também experimentou com canções populares e gêneros da indústria cultural, como o seu trabalho de releitura de canções dos Beatles em estilo clássico – os arranjos foram feitos para quarteto de cordas e quintetos de sopro, e Berberian interpretou as canções em um espirituoso estilo barroco. O interesse pelo mundo contemporâneo e pelas produções artísticas de grande circulação também aparece em “Stripsody” (1966), uma das peças vocais de Berberian – uma experimentação que narra uma história repleta de onomatopeias, sons não-verbais e frases non-sense, com uma partitura gráfica composta de desenhos inspirados na pop art, nos quadrinhos e nos desenhos animados (que àquela altura já eram febre entre os jovens). Stripsody é um exercício lúdico, mas profundo, sobre as possibilidades da voz e da notação dos sons.
Literatura
Verdades predicativas - Gabriel Gorini
Rumaram os dois a bordo, o pai e o filho, entre as canoas silvestres daquele lugar. Aos poucos se recordavam, ambos, e era tudo que podiam fazer: o silêncio do ir e vir da água, a superfície lisa o interior profundo, caudaloso. O filho fazia o ar de suspiro, quase de tédio, mas sustentava o silêncio porque era assim que tinha que ser. Perverso? Assim era a vida, pelo menos ali, naquela canoa. O filho sonhava um dia perguntar uma coisa qualquer. Não precisava ser algo importante. O pai não fazia nada. Não era severo. Já estava velho e cansado, muitas guerras passadas. A vida que ele escolheu era aquela, bruto ser. E o silêncio, fidedigno ao próprio. Às vezes ria, é verdade. Ria muito, e cantava também – outra espécie de silêncio. Os amores vieram e se foram, e os dois ficaram. Por isso as frases curtas, mas certeiras.
Eu já quase fui muita coisa, meu filho.
O que é a USINA?
A USINA existe desde 2013 com o intuito de contribuir para a convergência de discussões contemporâneas e afirmar nas artes e no pensamento um lugar de brincadeira, exercício, experimentação e diversidade.
Contos, poemas, traduções, entrevistas, ensaios, artes visuais, curtas metragens, fotografias: propomos através de vários meios e temas a articulação entre diferentes artistas, obras, tempos e tradições.
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