Olá! Bem vindo ao boletim #20 da revista USINA!
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Nessa edição: o conto de terror fantástico de Mariana Enriquez, as gravuras de Maíra Mafra, uma entrevista com Helena Ignez, um ensaio de Pedro Pennycook sobre a linguagem, as fotografias de Kiarostami das estradas no Irã
Literatura
O Menino Sujo - Mariana Enriquez
Seguindo a série de textos de autoras latino-americanas que apresentam contos no ambito do terror e do fantástico, apresentamos um conto de Mariana Enriquez.
Mariana Enriquez é uma escritora e jornalista argentina, nascida em Buenos Aires em 1973. Ela é conhecida por suas obras de ficção que misturam elementos de horror, realismo gótico e crítica social, tornando-se uma das vozes mais importantes da literatura latino-americana contemporânea. Estudou Comunicação Social na Universidade Nacional de La Plata e, além de sua carreira literária, trabalhou como jornalista e editora.
Seu primeiro livro, “Bajar es lo peor” (1995), foi publicado quando ela tinha 21 anos. No entanto, foi com suas coleções de contos que Enriquez realmente se destacou. “Los peligros de fumar en la cama” (2009) e “Las cosas que perdimos en el fuego” (2016) receberam aclamação crítica e trouxeram-lhe reconhecimento internacional. “Las cosas que perdimos en el fuego” foi particularmente bem recebido, traduzido para várias línguas e elogiado por sua capacidade de combinar o horror com críticas sociais incisivas. Os contos desta coleção capturam a vida nas margens da sociedade argentina, apresentando personagens que enfrentam horrores tanto sobrenaturais quanto mundanos.
Enriquez é frequentemente comparada a autores como Shirley Jackson e Stephen King, mas suas histórias são inconfundivelmente enraizadas na realidade social e política da América Latina.
Atualmente, Enriquez continua a viver em Buenos Aires, onde trabalha como editora e colunista.
A tradução de “O Menino Sujo” é de José Geraldo Couto, publicada em 2017 pela Editora Intrínseca no livro As Coisas que Perdemos no Fogo.
"Uma noite, depois do jantar, a campainha tocou. Estranho: quase ninguém me visita a essa hora. Exceto Lala, em uma ou outra noite em que se sente sozinha, e ficamos escutando rancheras tristes e tomando uísque. Quando olhei pela janela para ver quem era — ninguém abre a porta diretamente neste bairro se a campainha toca por volta da meia-noite —, vi que ali estava o menino sujo. Corri para buscar as chaves e o deixei entrar. Tinha chorado, dava para notar pelos sulcos claros que as lágrimas haviam marcado em sua cara encardida. Entrou correndo, mas se deteve antes de chegar à porta da sala de jantar, como se precisasse da minha autorização. Ou como se tivesse medo de seguir adiante."
Artes Visuais
Rugosidades I, II e III - Maíra Mafra
Esta série foi iniciada no decorrer de dois meses de minha Residência Artística com a Galeria Municipal do Porto no Centre de Création Contemporaine Olivier Debré, em Tours, cidade no Centre-Val de Loire em França.
A partir da observação de que a cidade é impregnada de seres vivos em cada espaço, desenvolvi uma prática de observação e contemplação, radicalizadas por meio do contacto físico com este ambiente construído. Desconstruindo a separação conceptual entre “cidade” e “natureza” para uma ecologia sensível que leva em conta as edificações humanas – que são feitas de elementos provenientes da natureza, e transformam-se em habitáculo para outras espécies que não apenas os seres humanos.
Em uma postura receptiva para com as construções da cidade, a frottage é assumida como um desenhar-com as paredes, o chão, os canos, a madeira do enxaimel. A textura irregular e granulada revela algo muito diferente do que se vê no cenário a olho nu, compondo assim uma não-figura, um registo do que não se vê, mas que ainda assim, está lá. Se, por um lado, não vemos os vincos e rugas de uma parede da qual recolheu-se uma frottage, resta-nos os espaços em branco ou acinzentados do papel para deduzi-los e imaginar as possíveis vidas que o podem habitar.
Vendo assim, as superfícies da cidade como sendo a sua pele, composta de rugas, vincos, poros, veios, cicatrizes, à mercê do tempo, do clima e da gravidade, assim como a pele humana. E esta série, uma recolha de partes desta grande pele.
Entrevistas
Encontro com Helena Ignez - USINA
Helena Ignez é uma figura essencial no cinema nacional. Começando sua carreira no teatro e expandindo para as telas de grandes clássicos do cinema brasileiro, como O Assalto ao Trem Pagador (1962) e O Padre e a Moça (1966), Helena trilhou uma trajetória única ao lado de cineastas como Glauber Rocha, Rogério Sganzerla e Júlio Bressane. Sua atuação em O Bandido da Luz Vermelha (1968) e A Mulher de Todos (1969) a eternizou como uma das grandes atrizes do Cinema Marginal.
Além de uma trajetória de sucesso ao lado de Sganzerla, com quem formou uma parceria de vida e trabalho por 35 anos, Helena também construiu um legado na direção, com filmes como Luz nas Trevas (2010) e Poder dos Afetos (2013), nos quais explora temas profundos e atuais.
Neste texto, vamos mergulhar nas reflexões e vivências de Helena Ignez, que segue, ainda hoje, como uma voz ativa e contemporânea do cinema brasileiro, sempre questionando e expandindo os limites da arte.
Clique aqui para ler o artigo completo sobre Helena Ignez e descubra mais sobre essa extraordinária trajetória!
Ensaio
Um espaço que fosse só língua - Pedro Pennycook
No ensaio "Um espaço que fosse só língua", Pedro Pennycook nos convida a navegar pelas paisagens íntimas da linguagem, refletindo sobre como as línguas abrem novos mundos e redefinem nossa percepção de lar e pertencimento. Através de suas memórias e vivências, o autor explora a relação entre infância, sonho e a descoberta de novas palavras como viagens interiores. A metáfora do espaço e da língua entrelaça-se com a experiência de aprender um novo idioma, criando um ambiente de espanto, transformação e curiosidade contínua.
A primeira vez que viajei foi quando conheci o inglês. Ou conheci que existe algo chamado inglês na primeira vez que viajei. Em algum momento de nossa infância nos ensinam que há algo como línguas estrangeiras. Disseram que era a língua da minha família, que havia um espaço em inglês que também me pertencia e que ainda estaria por nela me reconhecer. O meu pai disse que a família é habitar uma língua. Eu pensei que o inglês fosse uma família a ser criada. Não havia país – haviam suas palavras. Errantes, elas me foram chegando e me convidando a também pertencê-las, como as ilhas de Belle and Sebastian, que se espiam mesmo separadas. Mas não era terra ou ilha. Era um bote feito inteiro de língua. A Escócia pra mim era inteira língua.
Fotografia
As estradas de Kiarostami - USINA
Abbas Kiarostami (1940-2016) foi um cineasta iraniano, reconhecido como um dos grandes mestres da história do cinema. Foi uma das principais figuras do novo cinema iraniano, se destacando pelo seu olhar realista e poético da sociedade. Kiarostami ganhou projeção internacional com o filme Onde Fica a Casa do Meu Amigo? (1987), ambientado no vilarejo Koker, próximo de Teerã. A partir de então seguiu desenvolvendo sua linguagem cinematográfica ao utilizar da metalinguagem e da mistura entre documentário e ficção, muito marcantes em filmes como Close Up (1990) e Através das Oliveiras (1994). Em 1997 ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, pelo filme Gosto de Cereja e em 1999 recebeu o Leão de Ouro no Festival de Veneza pelo filme O Vento Nos Levará. Nos anos 2000 continuou inovando ao realizar o filme Dez (2002) e também um filme-tributo ao cineasta Yasujiro Ozu. Seus últimos trabalhos foram produções internacionais em decorrência da censura do estado iraniano.
As estradas de Kiarostami são uma série de 52 fotografias em preto e branco, tiradas no norte do Irã, que também compõe o foto-filme homônimo, realizado em 2005 pelo autor. As fotos foram publicadas em 2004 pela Cosac & Naify em parceria com a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e são acompanhadas pelo ensaio “O real, cara e coroa” de Youssef Ishaghpour, que aborda a trajetória do diretor até os anos 2000. A publicação também conta com alguns textos de Kiarostami, que exaltam sua relação com a natureza e como encontrou na fotografia um espaço silencioso de expressão.
O que é a USINA?
A USINA existe desde 2013 com o intuito de contribuir para a convergência de discussões contemporâneas e afirmar nas artes e no pensamento um lugar de brincadeira, exercício, experimentação e diversidade.
Contos, poemas, traduções, entrevistas, ensaios, artes visuais, curtas metragens, fotografias: propomos através de vários meios e temas a articulação entre diferentes artistas, obras, tempos e tradições.
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